BRASÍLIA - O tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), declarou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que presenciou os fatos narrados na denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), mas negou que tenha participado da suposta trama golpista. Ele é ouvido nesta segunda-feira (9) como réu na ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado.
"Eu presenciei grande parte dos fatos, mas não participei deles", disse Mauro Cid.
Como colaborador, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, alertou que ele “não poderia ser seletivo nas informações”. “Tem que dizer tudo que sabe”, complementou.
Mauro Cid também comentou sobre áudios vazados pela revista Veja, nos quais ele atacou Moraes e disse ter sido pressionado a o acordo de delação premiada.
“Foram áudios vazados sem a minha permissão, de desabafo num momento difícil que eu e minha família estávamos ando, estava vendo minha vida financeira, minha carreia vindo por água abaixo, desabafo feito a amigos próximos”, declarou.
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), é o primeiro réu a depor nesta segunda-feira (9), primeiro dia de interrogatórios do chamado “núcleo 1” ou “núcleo crucial” da ação penal que apura tentativa de golpe de Estado.
Como Cid fechou acordo de colaboração premiada, os demais acusados têm o direito de falar por último. Ele é considerado peça-chave por ter sido um dos mais próximos auxiliares de Bolsonaro nos quatro anos de governo do ex-presidente, apontado pela Polícia Federal (PF) e Procuradoria-Geral da República (PGR) como líder do grupo que planejou um golpe.
Réus do 'núcleo crucial' começam a ser ouvidos no STF
Depois de Cid, serão ouvidos os outros sete réus, por ordem alfabética:
- Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-chefe da Abin
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
- Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do GSI
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, e vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022
No caso de Braga Netto, o interrogatório será feito por videoconferência. O militar da reserva está preso desde dezembro sob a acusação de obstruir a investigação sobre a tentativa de golpe de Estado e obter detalhes da delação de Mauro Cid.
As sessões serão presenciais e ocorrerão na sala de sessões da Primeira Turma. Os depoimentos serão realizados pelos próximos cinco dias na sala da Primeira Turma da Corte e serão transmitidos ao vivo pela TV Justiça.
À exceção desta segunda, quando a sessão começa à tarde, nos demais dias haverá sessão de manhã e à tarde.
O ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, convocou os réus para comparecer ao STF até que se encerrem todos os interrogatórios, marcados para começar nesta segunda.
Durante as oitivas, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e as defesas dos demais acusados também poderão fazer perguntas aos acusados.
A Primeira Turma julga a denúncia da PGR. Baseada em investigação da PF, ela diz que o grupo encabeçado por Bolsonaro teve papel central na tentativa de ruptura institucional. A denúncia foi aceita pelo STF em março.
Os réus respondem por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
O interrogatório dos réus é uma das últimas fases da ação penal. A expectativa é de que o julgamento que vai decidir pela condenação ou absolvição deles ocorra no segundo semestre deste ano. Em caso de condenação, as penas am de 30 anos de prisão.
Por estarem na condição de réus, os acusados poderão se recusar a responder perguntas que possam incriminá-los. A Constituição garante aos investigados o direito de não produzir provas contra si.
No caso de Alexandre Ramagem, a investigação sobre fatos ocorridos após sua posse como deputado federal, em janeiro de 2023, está suspensa até o fim do mandato.
Mauro Cid foi delator em investigação que mirou Bolsonaro 3i6n28
Mauro Cid foi assessor direto de Bolsonaro entre 2019 e 2022. Na função, ele era o “braço direito” do ex-presidente e atuava como uma espécie de secretário, atendendo, inclusive, a interesses pessoais de Bolsonaro. Ele circulava tanto no Palácio do Planalto, que é a sede istrativa do governo federal, quanto no Palácio da Alvorada, a residência oficial em Brasília.
Cid tem carreira militar. Ele entrou no exército em 1996 e se formou na Academia Militar das Agulhas Negras em 2000. É filho do general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, que foi colega de Bolsonaro na turma de Artilharia de 1977 da Academia Militar das Agulhas Negras.
Mauro Cid foi preso pela primeira vez em maio de 2023, em uma operação pelo esquema da suposta fraude em cartões de vacinação. O militar foi solto em setembro do mesmo ano, após acordo de delação premiada, mas voltou para a prisão em março de 2024 após o vazamento de áudios atribuídos a ele com críticas ao seu processo de colaboração (até então, sigiloso).
Ele está em liberdade provisória desde maio de 2024, mas tem que cumprir medidas cautelares. Entre elas, o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de sair do país e de se comunicar com outros investigados. Na mesma época, o acordo de delação premiada de Cid foi questionado por suposta obstrução à Justiça, mas mantido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.
Agentes de investigação usaram a colaboração de Cid para entender a articulação da suposta trama golpista. Um vídeo encontrado no computador do militar apreendido pela PF revelou, por exemplo, uma reunião em julho de 2022 em que Bolsonaro disse a seus ministros que era preciso “fazer alguma coisa” antes da ida dos eleitores às urnas.
O tenente-coronel virou réu em 26 de março, no recebimento da denúncia do chamado “núcleo crucial” da trama, que inclui Bolsonaro. Na ocasião, o advogado dele, Cezar Bittencourt disse “como assessor do ex-presidente, ele tinha conhecimento dos fatos” e “cumpriu com o seu dever” de delator.
Os crimes apontados ao ex-ajudante de ordens são os mesmos atribuídos a Bolsonaro e outros réus do núcleo político. São eles: tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Somadas, as penas podem chegar a 43 anos de prisão.