Além de gerar um maior gasto com a saúde da população em Minas Gerais, a mineração também parece estar agravando os quadros e causando mais mortes entre os pacientes que sofrem com doenças do sistema circulatório nas cidades onde há atuação do setor. A conclusão faz parte do relatório “Saúde pública e mineração de ferro: uma análise comparativa no Estado de Minas Gerais”, elaborado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG). 

Após comparar dados dos 20 municípios mineiros que mais receberam os rees da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e os de 328 cidades que não contam com nenhuma atividade minerária, o levantamento identificou que, nas cidades mineradoras, houve um maior tempo médio de internação por conta deste tipo de doença que ocorre no aparelho circulatório — o que inclui problemas arteriais (como hipertensão e aneurisma); venosos (trombose e varizes); e linfáticos. 

Este tipo de doença levou a uma média de 6,6 dias de internação nas cidades mineradoras contra 5 nas demais. Além disso, o estudo também apontou para uma discrepância na taxa de mortalidade por 100 mil habitantes, que foi 61% maior nas cidades com mineração (8,7 contra 5,4). Com cerca de 32 mil habitantes, Barão de Cocais, na região Central de Minas Gerais, é uma das 20 cidades que mais receberam valores do CFEM em 2024, com o ree de R$ 44,9 milhões. Para a produtora rural Glace Ibraim Dos Santos Oliveira, de 56 anos, vice-presidente da Associação da Comunidade do Castro, para além do aumento no número e na gravidade dos problemas de saúde causados pela atividade minerária, a percepção dos moradores é que não há um retorno na qualidade de suas vidas. 

"A UPA está em um estado lastimável. No hospital, falta tanto aparelho que, tudo que a gente depende de exames mais detalhados, acaba sendo encaminhado para Belo Horizonte, João Monlevade ou Itabira. A cidade está suja, com problemas de coleta de lixo, uma coisa vergonhosa. Na escola, a professora reclama que (a unidade de educação) está sucateada, precisando de coisas simples, pintura, carteiras novas. Portanto, não acho que esses recursos estão sendo revertidos para o bem estar da população", afirma.

Para a superintendente de controle externo do TCE-MG, Jaqueline Somavilla, é importante que os órgãos estaduais que liberam a atividade e as empresas mineradoras tenham ciência de seus impactos na saúde da população. “É fundamental que tanto o Estado, responsável pelo licenciamento ambiental da maioria dos empreendimentos, como os municípios e as mineradoras, tenham ciência desse impacto para que, cada um, dentro da responsabilidade que lhe compete, possa atuar para mitigar os efeitos negativos dessa atividade econômica”, pontuou. 

O TEMPO procurou a Prefeitura de Barão de Cocais sobre as reclamações da moradora, sendo que o município argumentou que, desde o início da nova gestão, "medidas emergenciais e estruturantes vêm sendo adotadas para reverter o quadro herdado, com foco em resultados concretos para a população". 

A cidade destacou ainda que, por ser de "menor porte", sempre dependeu de referências regionais para os atendimentos especializados. Porém, um convênio retomado estaria garantindo exames e consultas que antes exigiam deslocamentos.

"Desde o início deste ano, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Luiz Alberto Pinto Coelho e o Hospital Municipal Waldemar das Dores vem ando por reformas estruturais e istrativas, com nova gestão para aprimorar o atendimento e o conforto dos usuários. Houve aquisição de novos equipamentos e insumos, reativação do laboratório municipal (agora realizando exames de sangue localmente) e redução expressiva do tempo de espera na UPA", completou. 

A Prefeitura de Barão de Cocais também disse ter inaugurado, nos primeiros 120 dias de governo, a primeira creche do município e que a região citada pela moradora é atendida por duas escolas de referência. Sobre a limpeza urbana, a cidade argumentou que agilizou a contratação de uma nova empresa de coleta de lixo e que o problema teria sido superado "graças à gestão mais eficiente". 

Problemas não se restringem às cidades onde há extração 2a4s2f

Ouvido por O TEMPO, o pesquisador Mariano Andrade da Silva, que é membro do Observatório de Desastres da Mineração - Gestão de Risco e Direitos Humanos, da Fiocruz Minas, pontuou que, apesar do estudo do TCE-MG ter focado nos municípios que mais receberam recursos do CFEM, o impacto na saúde não se restringe a eles, já que parte dos empreendimentos ligados à atividade minerária estão em cidades que não são beneficiadas pelo ree. 

"Há uma sobreposição de risco, uma vez que não é só a população ali, de onde existe a mina, que é prejudicada. Temos um segmento periférico à extração e que também podem causar problemas de saúde. Podemos citar usinas de beneficiamento desse minério, toda a cadeia de agregamento de valor, que podem estar em cidades onde não há mineração", explica. 

O pesquisador argumenta ainda que este impacto em cidades onde não há mineração ficou ainda mais claro após os rompimentos de barragens registrados em Mariana e Brumadinho, respectivamente em 2015 e 2019. "A mineração não se limita ao município que está recebendo o CFEM. Você vê o rompimento da Samarco em Mariana, ele não se limitou ao município minerador, mas se alastrou por toda a bacia do Rio Doce, envolvendo 35 municípios. Em Brumadinho igualmente, o desastre da Vale afetou dezenas de municípios em seu entorno", pontua. 

Apesar de viver a quilômetros de distância das minas de minério de ferro da região, Glace Ibraim Dos Santos Oliveira, moradora de Barão de Cocais, aponta que a população da comunidade do Castro também sofre com os impactos da atividade, já que, há 2 anos, os moradores convivem com o Centro de Distribuição de Barão (CDB). A empresa responsável pelo terminal foi procurada, mas não se manifestou. 

"Algumas das nossas casas ficam a menos de 200 metros do centro de distribuição de minério. Não é possível dormir. Temos uma cidade imunda, com muita poeira, uma cidade doente, tanto por doenças respiratórias quanto por depressão, por vivermos com medo de rompimento de barragem. Aqui, no Castro, a gente sabe que, a qualquer momento, teremos que abandonar nossas casas. Além da poeira, do barulho, as casas estão todas trincadas. Por isso é uma população que vive doente", reclama. 

“Estado precisa melhorar atuação da Semad”, diz superintendente 1kc6s

A superintendente de controle externo do TCE-MG, Jaqueline Somavilla, disse acreditar que, para mitigar os impactos na saúde destas populações, um o importante seria fortalecer os órgãos ambientais do governo de Minas Gerais, que são responsáveis por autorizar e fiscalizar as atividades nestes grandes empreendimentos minerários. 

“O problema é que a maioria dos empreendimentos são licenciados pelo Estado, então, os municípios, apesar de sofrerem os impactos, acabam tendo pouco poder de influência, tanto na definição das condicionantes dos licenciamentos quanto no poder de fiscalização de seu cumprimento. Nesse caso, o que precisaria melhorar é a atuação do Estado, por meio da sua Secretaria de Meio Ambiente, como já apontado em diversas auditorias anteriores realizadas pelo Tribunal”, cravou a superintendente. 

A ausência de um Estado com atuação rígida sobre as mineradoras também foi citada pela ambientalista do Projeto Manuelzão, Jeanine Oliveira. “É um cenário muito ruim em todos os aspectos, principalmente por não termos um Estado forte, instituições fortalecidas e estruturadas com pessoal técnico mesmo. Precisamos de um número de pessoas que dê conta de atender essa enorme demanda em Minas Gerais”, concluiu. 

A reportagem procurou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), que informou, por meio da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), que realiza a "devida fiscalização do cumprimento de condicionantes" por meio das Unidades Regionais de Regularização Ambiental, com ações como vistorias em campo, auditorias, registros de inconformidades e, quando necessário, a aplicação de sanções.

"Em caso de descumprimento das condicionantes, o empreendedor está sujeito a sanções istrativas, que podem incluir advertências, multas, suspensão ou até mesmo cassação da licença ambiental. Ressaltamos que o processo de licenciamento em Minas Gerais é conduzido com base na legislação ambiental vigente, garantindo a proteção dos recursos naturais e promovendo o desenvolvimento sustentável das atividades econômicas no estado", completou a pasta. 

A pasta explicou, ainda, que os programas de monitoramento, bem como as condicionantes estabelecidas no processo de licenciamento ambiental, são definidos após avaliação técnica da equipe da própria Feam, "que avalia os estudos ambientais apresentados pelo empreendedor, nos termos da legislação". 

"Ressalta-se, ainda, que o processo de licenciamento ambiental atua de forma integrada com outros instrumentos de gestão ambiental e territorial, como planos diretores, zoneamentos e áreas com diferentes níveis de proteção e uso do solo, contribuindo para a mitigação dos impactos ambientais e a ordenação do território", concluiu a Semad.