BOGOTÁ, COLÔMBIA. Quando Álvaro Clavijo abriu as portas do El Chato, em Bogotá, em 2017, ele o fez movido por uma inquietação pessoal: provar a si mesmo que poderia ser um grande cozinheiro usando apenas ingredientes de seu país natal. Uma busca quase íntima, marcada pela curiosidade e pela vontade de entender o potencial da cozinha colombiana. Hoje, esse mesmo restaurante é o 3º melhor da América Latina e o 54º do mundo, de acordo com o renomado The World’s 50 Best Restaurants de 2025, e Clavijo é considerado uma das figuras mais influentes da nova cena gastronômica latino-americana. Um feito que celebra o momento histórico que a gastronomia colombiana vive hoje.
“A América Latina vive um momento fascinante no cenário gastronômico mundial. Tenho a sensação de que o mundo nos enxerga dessa forma. Assim como nós iramos a diversidade culinária do Japão, da China ou das Filipinas, os chefs desses países veem a América Latina quase como uma única entidade, reconhecendo nossa riqueza cultural e culinária como um todo”, analisa o chef.
Apesar dos reconhecimentos internacionais, Álvaro fala com despretensão e honestidade sobre os caminhos tortuosos até o topo. “Quando entramos pela primeira vez na lista do 50 Best, eu estava vivendo minha pior fase na cozinha. Não entendo como chegamos ao top 10 naquela época”, confessa. “Mas depois aprendi a soltar. Hoje, o mais importante para mim é que a equipe esteja tranquila e apaixonada pelo que faz”, disse.
No ano ado, esperava-se que o restaurante colombiano subisse uma posição no ranking – em 2023, ele ocupava o segundo lugar entre os melhores da América Latina, atrás do Maido, de Lima, no Peru. “Muita gente esperava que seríamos o melhor restaurante da América Latina, mas eu prefiro não ter isso na cabeça”, revelou o chef. Ele explica que, apesar das posições elevadas nas listas, há sempre opiniões divergentes sobre o El Chato, inclusive questionando se ele é o melhor da Colômbia. “É como futebol, cada um tem o seu time do coração, e está tudo certo. O importante é que isso não me afete, e eu não levo para o lado pessoal”, entrega ele com honestidade.
Essa maturidade diante das expectativas e pressões, segundo Clavijo, é essencial para manter o equilíbrio e o prazer no trabalho. “Quando ficamos em 3º lugar, muita gente pensou que eu estava triste, mas eu estava apenas confuso. Ter chegado ao número 25 do mundo,e m 2024, é algo imenso para mim. Só tenho gratidão e amor por todos que têm nos apoiado nessa jornada”, disse.
O El Chato nasceu com uma proposta autoral, pouco comercial. “Trabalhava com vísceras, com miúdos, queria mostrar que isso também é cozinha colombiana. Era quase um projeto pessoal. Com o tempo, buscamos equilíbrio”, conta. Essa busca por equilíbrio – entre o autoral e o ível, o local e o universal – é hoje uma das marcas de seu restaurante. No andar de baixo, um cardápio à la carte pensado para os locais; no andar de cima, um menu-degustação que apresenta aos estrangeiros um retrato dos sabores da Colômbia, sempre com ingredientes 100% nacionais.
Retomada
Com agens por cozinhas estreladas da Europa e dos Estados Unidos, Clavijo retornou à Colômbia em um momento em que a gastronomia local começava a dar sinais de renascimento. Hoje, ele celebra com entusiasmo esse novo capítulo: “A Colômbia está vivendo um dos seus momentos mais importantes. Bogotá se consolidou como destino gastronômico. Estamos vendo chefs do mundo inteiro virarem os olhos para cá. Como dizia minha avó: ‘Nunca comi tão bem como estou comendo na Colômbia nessa viagem”, disse.
Mas o protagonismo de Clavijo vai além da cozinha do El Chato. Ele vê sua missão como coletiva, quase pedagógica. Fala da importância de perder o medo de se comparar com outras gastronomias do mundo, da necessidade de união entre os cozinheiros colombianos, da visibilidade que rankings e jornalistas internacionais proporcionam a uma culinária ainda sub-representada. “Essas listas ajudam a colocar a Colômbia no mapa. Fazem com que o povo se sinta orgulhoso do que tem em seu próprio país”, acredita.
Experiência
No menu-degustação vigente, destaca-se o uso criativo das frutas – não nas sobremesas, como seria esperado, mas nos pratos salgados, muitas vezes fermentadas e amadurecidas naturalmente. Ao mesmo tempo, surpreende ao usar cogumelos em doces, quebrando padrões e propondo novas lógicas de sabor. Um dos pratos é vegano, feito de coração de palmito, coco, alga e rambutan, uma fruta exótica de origem asiática, mas cultivada também na Colômbia.
No fim das contas, Álvaro Clavijo parece menos interessado no estrelato individual do que em provocar uma revolução silenciosa – uma que transforme a maneira como o mundo vê, entende e saboreia a Colômbia. Em um momento em que a América Latina é percebida com cada vez mais interesse no cenário global, Clavijo insiste: “O mais importante não é ser o número 1, 2 ou 3. O que importa é que todos ganhemos com isso”. E talvez esteja aí a essência de sua cozinha e de sua liderança: cozinhar, sim, com excelência – mas sobretudo com “ganas”.